Porque o Brasil não recupera o dinheiro público desviado
Por Bruno Rico, na Carta Capital
O ex-juiz Nicolau dos Santos Neto operou um desvio de 1 bilhão de reais em números atuais. Destes, somente 55 milhões retornaram ao Tesouro, e apenas em 2011. Foto: Folhapress |
Em
2000, o então secretário de Fazenda de Maringá (PR) Luiz Antônio
Paolicchi foi condenado à prisão por chefiar uma quadrilha que teria
desviado 100 milhões de reais da prefeitura sob a gestão de Jairo Moraes
Gianoto (1997 2000), do PSDB. Ficou preso até 2005. Em 2011, Paolicchi
foi condenado a restituir 500 milhões de reais aos cofres públicos (em
tempo: o orçamento do município em 2005 foi de 311 milhões no total). Em
outubro de 2011, ele foi assassinado em um crime supostamente passional
e, até agora, apenas 1 milhão de reais dos recursos desviados
retornaram ao município. Apesar da letargia, a condução do processo foi
considerada exemplar quando comparada a casos similares no País.
O
exemplo acima é sintomático do que acontece no Brasil quando esquemas
de corrupção são desvendados: o dinheiro público dificilmente volta e,
quando volta, é só parte dele. O retorno da verba pública desviada foi
um dos assuntos debatidos por promotores de Justiça, juristas e
cientistas políticos no II Congresso Contra a Corrupção, organizado pela
ONG Nas Ruas, em março último, em São Paulo.
O
caso de Maringá foi ilustrado pelo jurista e coordenador do
Observatório Social da cidade do Paraná, Fernando Otero. O Observatório
maringaense foi o primeiro de cerca de 40 espalhados pelo Brasil.
Composto por voluntários e uns poucos funcionários, estes órgãos fazem, à
própria custa, o que o Legislativo e o Ministério Público deveriam
fazer: fiscalizar os gastos do Poder Executivo. Para eles, a prevenção é
a melhor arma contra a corrupção focando os trabalhos nos contratos de
licitação pública. Em 2009, ganharam o prêmio Inovações em Práticas
Sociais, da Comissão Econômica para América Latina e Caribe (Cepal),
ligada à Organização das Nações Unidas (ONU).
O
promotor do Ministério Público de Santa Catarina, Affonso Ghizzo Neto,
endossa o argumento de Otero. “Na prática, após o furto, a grande
maioria (dos recursos) não tem retorno. A melhor ação é a ação
preventiva”, disse. Ele acredita que a fiscalização preventiva tem
aumentado o retorno dos recursos a partir das ações judiciais.
Metas para a recuperação da verba desviada
De
acordo com a Controladoria-Geral da União (CGU), do total de recursos
desviados em casos de corrupção flagrados na esfera federal em 2011,
15,39% foram recuperados. Os valores envolvidos nas
ações ajuizadas somam 2,14 bilhões de reais. Destes, 338,63 milhões
foram bloqueados ou penhorados, 30 milhões retornaram através de
acordos, e 330 milhões de reais foram recolhidos aos cofres da União. A
meta fixada para as recuperações em 2012 é de 25%.
Na prática, se o condenado não tem o dinheiro para devolver, fica devendo aos cofres públicos. O tempo de reclusão não muda com a devolução do recurso.
O
diretor de patrimônio e probidade do CGU, André Mendonça, explica que a
dificuldade para se chegar a uma sentença definitiva e à recuperação
dos recursos se concentra na falta de provas. “Quem
pratica a corrupção já tem em mente, desde o inicio, formas de ocultar o
ato. Você sempre vai trabalhar com elementos não conclusivos. Nunca vai
ter uma prova de confissão.”
O
caso do ex-juiz Nicolau dos Santos Neto, que operou um desvio de cerca
de 1 bilhão de reais (em números atualizados) em uma obra no prédio do
Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo entre 1994 e 1998, é
sintomático. Do total, 55 milhões retornaram ao Tesouro, e apenas em
2011. Segundo a CGU, mesmo o recurso recuperado estava em nome de
“laranjas”.
“O grande problema é achar esse dinheiro”, afirma o jurista Jean Menezes de Aguiar. “A soma é toda pulverizada, todo laranjeado. No final do processo, o que se consegue resgatar disso é muito pouco. As instâncias investigativas não conseguem chegar a ela”, disse.
A imprescritibilidade ajudaria na recuperação do dinheiro desviado
Entre
as propostas do II Congresso Contra a Corrupção está a defesa da
imprescritibilidade dos casos de corrupção. Atualmente, os crimes
prescrevem cinco anos após o término do mandato. Os juristas argumentam
que, assim, haveria mais prazo para a acusação (normalmente o Ministério
Público) obter provas e preparar o processo.
Há,
atualmente, 139 proposições na Câmara e no Senado que tratam da
corrupção. Entre elas, o projeto de lei 2333/2007 prevê a ampliação do
prazo prescricional para dez anos. A proposta é do deputado Francisco
Praciano (PT-AM), coordenador da Frente Parlamentar Mista de Combate à
Corrupção. Ele defende também a criação de cargos administrativos no
Judiciário como forma de melhorar a celeridade dos processos. Segundo
ele, a ideia foi adotada com sucesso na Austrália.
Leia Nacional da Corrupção
Uma
proposta debatida no II Congresso é a criação de uma Lei Nacional da
Corrupção. A idéia é reunir sob um mesmo “guarda-chuva” todos os crimes
contra o patrimônio público. “A corrupção exige punições próprias. Seria
mais efetivo”, defende Carla Zambelli, do Nas Ruas. A proposta
não envolve a criação de uma Justiça especial, como a Trabalhista ou a
Eleitoral, mas, para os defensores, daria mais agilidade ao trâmite.
Claudio
Abramo, diretor-executivo da Transparência Brasil, vê com desconfiança a
criação de uma lei específica. Afirma tratar-se de uma proposta
“coorporativa”. “Por acaso os processos criminais andam mais depressa
nas justiças específicas?”, questiona. Para ele, a corrupção “é apenas
uma parte de um problema muito maior, que é a ineficiência do Estado
brasileiro”. Abramo defende, no curto prazo, uma “reforma dos códigos de
processo”.
A
Transparência Brasil cobra também mais transparência dos órgãos
fiscalizadores. “O Ministério Público brasileiro é o organismo mais
opaco que existe no País. Embora tenha serviços prestados óbvios, ao
mesmo tempo é o ente sobre o qual menos se conhece. Não existem dados,
não publicam, recusam-se a fornecer.” Jean Menezes de Aguiar vê falhas
na investigação dos casos. “É falta de vontade política. Muda
governador, muda prefeito e ninguém acaba sendo preso.”
O
II Congresso debateu ainda temas como fim do foro privilegiado, a
participação popular na nomeação de ministros do STF, a ampliação da
proibição da Ficha Limpa para todos os cargos públicos, a redução de
cargos de gratificação, tornar a corrupção um crime hediondo e educação
política nas escolas, entre outros. Algumas delas são polêmicas. Há
juristas que acreditam que acabar com o foro privilegiado significaria
invalidar a Lei Ficha Limpa. Como ela só barra julgados por órgãos
colegiados, um político condenado em primeira instância estaria livre
para se candidatar. Tornar a corrupção um crime hediondo, para alguns,
também não teria validade prática, uma vez que raros são os casos de
condenação definitiva.